Foto de Chávez diante de seus eleitores em Caracas, 24 de novembro, 2006. Foto: Presidência
Nos quase 14 anos como presidente da Venezuela, o tenente-coronel reformado Hugo Chávez, morto nesta terça-feira 5 vítima de um câncer, construiu uma imagem associada ao bolivarianismo. Dono do lema “socialismo do século XXI”, ampliou o papel do Estado na economia com nacionalizações, controle de preços e parcerias público-privadas.
Afastou-se dos Estados Unidos, seu maior parceiro comercial, e reforçou laços com o regime cubano de Fidel Castro. Por outro lado, buscou criar alianças estrangeiras com potências emergentes, como China, Rússia e Brasil.
Crítico ferrenho do capitalismo, que acusou de “expropriar o povo” e de ser “a condenação da raça humana”, Chávez procurou adotar medidas para diminuir a desigualdade no país. Apoiado nas receitas geradas pelo petróleo da Venezuela, que detém as maiores reservas do mundo, reduziu os níveis de pobreza de 42% para 9,5%.
“Assumimos o compromisso de dirigir a Revolução Bolivariana até o socialismo do século XXI, baseada na solidariedade, fraternidade, amor, liberdade e igualdade”, disse ao ser reeleito em 2006.
Ao longo dos anos, demostrou-se um influente ator na América Latina, trabalhando com Bolívia, Cuba e Equador.
A partir de 2003, o governo passou a mostrar maior intervencionismo na economia, com controles como a fixação dos preços de alimentos básicos, como arroz, farinha e leite.
Com a elevação dos preços do petróleo em 2004, Chávez pediu uma série de reformas legais que permitiram o aumento das receitas com o item por meio de impostos e controle acionário dos projetos de energia concedidos na década de 1990 a petroleiras privadas nacionais e estrangeiras.
Com o lema “O petróleo é agora de todos”, o carismático líder armou uma estrutura de fundos que permitiu o uso de enormes recursos para reforçar suas políticas sociais, mas também para financiar uma onda de nacionalizações que caracterizariam sua política econômica.
Chávez ordenou a recuperação de mais de 2,5 milhões de hectares de terras de propriedade privada e a nacionalização de setores estratégicos, como cimento, aço, telecomunicações, alimentos, elétrica ou bancário.
A siderúrgica argentina Sidor, a empresa mexicana de cimento Cemex, o banco espanhol Santander ou os supermercados Êxito – com participação acionária francesa -, são alguns dos principais nomes nesta série de expropriações.
Enquanto isso, também com recursos do Estado, Chávez promoveu a criação de cooperativas, empresas cogeridas e de produção social como novas formas de “propriedade solidária”.
No entanto, o setor privado ficou com cada vez menos espaço de manobra por causa do controle do Estado e da inflação galopante. Em 2009, o Estado atingiu mais de 30% do PIB, uma ameaça à sua própria sobrevivência. A nova dinâmica nacional também foi estendida aos seus parceiros externos.
Confrontando politicamente os EUA, seu principal parceiro comercial, o governo de Chávez começou a buscar novos mercados, mais de acordo com a sua linha ideológica, como China, Rússia e Brasil.
A China, que até recentemente não estava no mapa econômico da Venezuela, é agora o segundo destino do petróleo nacional (500,00 b/d) e também um de seus principais financiadores, graças a uma série de acordos pelos quais o governo de Chávez conseguiu empréstimos de mais de 30 bilhões de dólares em troca de petróleo.
O PIB da Venezuela, que em 1998 foi de 91 bilhões de dólares, foi para 328 bilhões em 2011, impulsionado principalmente pelo aumento dos gastos governamentais.
O governo de Chávez, no entanto, não conseguiu controlar a alta inflação e evitar a escassez decommodities cíclicas e os efeitos disso sempre são sentidos nas massas, que seu governo sempre alegou tanto proteger.
Ao mesmo tempo, o país, com uma moeda supervalorizada para efeito de controle de câmbio, se tornou muito dependente das importações de produtos agrícolas, em particular.
Críticas
Por diversas vezes, o líder bolivariano foi criticado pela oposição por tentar dominar os meios de comunicação do país e se fazer onipresente na vida dos venezuelanos. Seduzia com o povo de forma carismática e desafiava constantemente seus opositores, que o derrotaram em poucas ocasiões nas urnas.
Poucos meses após assumir o poder em 1999, lançou o programa dominical “Alô, Presidente”, com duração média de cinco horas aos domingos. Como principal plataforma de exposição, utilizou as cadeias de rádio e televisão (de transmissão obrigatória) para informar os venezuelanos, liberar recursos ou inaugurar obras em aparições sempre impregnadas por um estilo próprio, com piadas, contos e músicas.
Também atacava a oposição e os meios de comunicação privados, que chamava de “apátridas”, “burgueses” ou “imperialistas”. As acusações de conspiração contra seu governo eram constantes.
Mas a “guerra midiática”, como afirmava Chávez, começou realmente durante o golpe de abril de 2002, que o afastou do poder por 48 horas, quando os canais privados optaram por exibir desenhos animados e não informar sobre as manifestações nas ruas que pediam o retorno do presidente.
Chávez decidiu em 2007 não renovar a concessão da RCTV, a mais antiga emissora de televisão do país, que tinha grande audiência, o que provocou uma onda de protestos liderados por estudantes e muitas críticas internacionais.
Desde então, apenas um canal de oposição continuou com transmissão em sinal aberto, a Globovisión, mas com um alcance limitado a Caracas e à cidade de Valencia, enquanto a frequência da RCTV – a de maior alcance – passou a ser usada pela estatal TVES.
A Globovisión, apesar de não ter sofrido o mesmo destino da RCTV e de outras 30 emissoras de rádio, recebeu multas milionárias, dezenas de processos administrativos e acusações contra os sócios do sócios do canal, chamado por Chávez de “terrorista midiático”.
A deposição
Em abril de 2002, Chávez foi deposto por um golpe da cúpula militar em meio a manifestações contra seu governo. Pouco depois, acabou devolvido ao poder por militares leais e multidões entusiasmadas.
Após o golpe, Fidel Castro forneceu milhares de médicos, agrônomos, assessores militares e militantes a Chávez para montar as chamadas “missões” sociais que lhe deram mais apoio popular. Este, por sua vez, se tornou o salvador de uma Cuba frágil após a queda da União Soviética, com o fornecimento de petróleo e ajuda econômica.
Chávez também passou a criar iniciativas regionais como o grupo de integração econômica e coordenação política Aliança Bolivariana das Américas (ALBA), integrada por Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e ilhas caribenhas anglófonas, assim como o Petrocaribe, de subsídios petroleiros.
Implacável com os opositores, isolou quem não estava com ele e retomou de Fidel Castro os EUA como inimigo do país. No entanto, foi suficientemente pragmático para manter seu calendário de eleições e referendos e para seguir enviando um milhão de barris diários de petróleo a Washington.
Chávez governou de forma pouco convencional, misturando seu olfato político e o ensino militar, delegando poderes apenas a um pequeno grupo de colaboradores, do qual talvez saia seu herdeiro político.
Sob esta ótica, seu chanceler e vice-presidente, Nicolás Maduro, foi apontado como seu sucessor no auge de sua batalha contra o câncer. Definido por Chávez como “um revolucionário por completo, um homem com muita experiência, apesar de sua juventude”, Maduro foi designado pelo bolivariano para sucedê-lo em 9 de dezembro, dois dias antes de embarcar para uma cirurgia em Cuba.
Ao morrer, Chávez concentrava um grande poder em suas mãos. Era presidente, comandante-em-chefe das Forças Armadas e presidente do PSUV. Além disso, seus partidários controlam a maioria parlamentar e ostentam uma maioria no Supremo Tribunal de Justiça.
Filho de dois professores de educação primária e criado por sua avó materna, Chávez cresceu em Sabaneta, estado de Barinas (sudoeste). Casou-se e se divorciou duas vezes, e teve quatro filhos.
Nasce Hugo Chávez, o mito
Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
Gostaria de acreditar que enquanto a maioria absoluta dos venezuelanos chora copiosamente a “morte” de Hugo Rafael Chávez Frías não existe quem a esteja comemorando. Entretanto, não me iludo. Apesar de ser um homem de paz que nunca revidou com violência a violência que sofreu nos idos de abril de 2002, Chávez era odiado com fervor por uma minoria.
Seus inimigos não o combateram por seus defeitos, que, como qualquer ser humano, deveria ter muitos. Não, não. Ele foi combatido por suas qualidades, porque sua obra – que ultrapassou as fronteiras de seu país – tornou o mundo mais justo e a vida dos compatriotas desvalidos menos penosa.
Foi chamado de “ditador”, mas nenhum governante das três Américas jamais se apresentou tantas vezes ao voto popular limpo e inquestionável quanto ele. De 1999 até o ano passado, incontáveis foram as eleições que venceu sem que nunca um só questionamento à lisura dos processos eleitorais que lhe deram as vitórias tenha sido sequer levado a sério.
Chávez logrou fazer da Venezuela a campeã das Américas em redução da pobreza e da desigualdade social. Sua obra social, como não podia ser atacada por conta de êxitos como o de tornar o seu país o segundo da América Latina, ao lado de Cuba, a extirpar a chaga do analfabetismo, foi ignorada pela mídia internacional e até pela venezuelana.
Nunca me esquecerei de uma viagem que fiz à Venezuela em 2007, quando fui a um dos morros que cercam Caracas e, em visita ao uma unidade do programa social de Chávez que acabou com o analfabetismo, vi adolescentes e até adultos recém-alfabetizados estudando a constituição do país.
Mas a obra de Chávez extrapolou as fronteiras de seu país natal. A revolução bolivariana se espalhou pela América Latina. Sua influência mais forte tem sido sentida na Argentina, na Bolívia e no Equador, com um modelo revolucionário que reformou constituições e democratizou a comunicação de massas.
Perto da redução da pobreza, da miséria e da desigualdade que Chávez promoveu, a que conseguimos no Brasil, em comparação proporcional, não lhe chega nem aos pés. Isso porque, com risco da própria vida e sacrificando a paz pessoal, ele comprou brigas com poderes imensuráveis que, se não tivesse comprado, teria tido uma vida mais fácil no poder.
Dolorosamente, a morte física de Chávez será explorada de forma nauseabunda por multibilionários das mídias de ultradireita que infestam esta parte do mundo. Tentarão culpa-lo pela própria morte. Em lugar de destacarem sua obra, destacarão o processo sucessório na Venezuela.
A esses, digo que se antes tinham poucas chances de derrotar esse herói latino-americano, esse verdadeiro patrimônio da humanidade, agora suas chances são nulas, morreram fisicamente com ele, que acaba de renascer. Hugo Rafael Chávez Frias renasceu, chacais da miséria humana. Tornou-se um mito que os assombrará até o fim dos tempos.
Morto fisicamente, Chávez adquiriu poderes que nem todos os editoriais, colunas, telejornais ou reportagens mal-acabadas da Terra conseguirão equiparar. Sua verdadeira história só agora começará a ser contada às gerações futuras, mostrando que quando um homem devota sua vida ao bem comum como ele fez, torna-se imortal.
Descanse em paz, Hugo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário