Júri condena mais 25 PMs por mortes no Carandiru
Pena para soldados da Rota é de
624 anos de prisão para cada um. Desde o início do ano, 48 dos 78
denunciados por 102 das mortes no chamado Massacre do Carandiru já foram
sentenciados a prisão
por Gisele Brito, da RBA
publicado
03/08/2013 11:23,
última modificação
03/08/2013 19:23
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© Mauricio Camargo/Brazil Photo Press/Folhapress
Os promotores do MP no segundo júri do chamado Massacre do Carandiru, encerrado na madrugada de sábado (3)
São Paulo – Os 25
policiais militares que atuaram no terceiro pavimento do pavilhão 9 da
Casa de Detenção do Carandiru na invasão policial de 2 de outubro de
1992 foram condenados, cada um, a 624 anos em regime fechado. Os PMs,
todos da Rota, poderão aguardar em liberdade até o esgotamento das
possibilidades de recursos. Os policiais também irão perder seus cargos
públicos quando a sentença transitar em julgado, porque o juiz Rodrigo
Tellini de Aguirre Camargo avaliou que houve “inequívoco abuso de
autoridade”. A sentença foi lida às 4h20 da manhã de hoje (3), no Fórum
Criminal da Barra Funda, em São Paulo.
Os sete jurados, distintos dos do
primeiro bloco do julgamento, consideraram que os policiais da Rota
foram responsáveis pela morte de 52 das 73 pessoas que estavam naquele
pavimento. O próprio Ministério Público (MP) havia pedido a
desconsideração de 21 mortes porque as investigações não conseguiram
determinar qual tropa foi responsável pela operação – os presos estavam
no corredor direito do pavilhão.
“A voz da sociedade, dentro de um julgamento, é dada aqui no tribunal
do júri. Ela não é dada nas ruas apenas. Ela não é dada àqueles que se
manifestam e fazem comentários em blogs ou enquetes pela internet. Aqui o
jurado tem a oportunidade de, após seis dias de julgamento, ouvindo as
testemunhas, analisando os documentos dos processos, ouvindo os
argumentos das partes, decidir que efetivamente o que aconteceu naquele
dia foi um massacre. Mais do que isso, que a sociedade não vai
compactuar com desrespeito à vida, que a sociedade não vai compactuar
com o desrespeito ao ser humano”, declarou o promotor do Ministério
Público Fernando Pereira da Silva durante entrevista ao término do
julgamento.Com isso, 48 dos 78 policiais acusados pela morte de 102 internos na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992 foram condenados. O episódio, que ficou conhecido como Massacre do Carandiru, é considerado o maior morticínio do sistema penal brasileiro.
Em 2001, o Coronel Ubiratan Guimarães, responsável pelo comando da operação, foi condenado a 632 anos. Mas no início de 2006, desembargadores do Tribunal de Justiça anularam a decisão do júri popular e Ubiratan morreu meses depois, sem nunca ter cumprido um único dia de pena.
Em abril deste ano, 23 policiais da Rota
que atuaram no segundo pavimento foram responsabilizados pela morte de
13 detentos e sentenciados a 156 anos de prisão cada um, mas seguem em
liberdade até se esgotarem os recursos. Cinco dos condenados, no
entanto, continuam na ativa. Segundo a Polícia Militar,
qualquer soldado condenado a mais de dois anos de prisão por homicídio
doloso é exonerado da instituição. No entanto, esse procedimento só se
dá depois que a sentença transita em julgado.
Pereira disse que, apesar de legítimo do ponto de vista legal,
decisões assim precisam ser revistas. “Acho que a gente tem que repensar
algumas coisas. A gente que eu digo não apenas enquanto sociedade, mas
também como pessoas que vivem do Direito. E repensar se é isso que a
gente quer: O cidadão sai do tribunal do júri com mais de seiscentos
anos como se inocente fosse”, afirmou.
Como no primeiro julgamento, a advogada
dos réus, Ieda Ribeiro Souza, disse que a sentença não condiz com o que
pensa a sociedade e que há apoio popular à ação da polícia na internet.
Ao ser questionada se o contrário disso não ficava demonstrado pela
reação à ação da polícia nas manifestações populares dos últimos meses
em várias cidades do país, disse que a sociedade está “doente”.
“Quando os órgãos do Ministério Público
precisam de socorro, eles se socorrem da polícia militar, quando a
sociedade precisa de socorro, ela se socorre da polícia militar. Então,
se a sociedade pensa assim, infelizmente nós temos uma sociedade
doente”, declarou aos jornalistas.
Ieda afirmou que irá recorrer da sentença assim que todos os 78
policiais denunciados forem julgados. Mas acredita encontrar
dificuldades por considerar ser uma ação “política”. Ieda também irá
defender os policiais que atuaram nos outros dois pavimentos do pavilhão
9 e diz que pouco mudará de sua tese porque ela é a única possível.
“Hoje a sociedade perdeu e o mundo do
crime ganhou. Porque, na verdade, quando se condenam policiais que
trabalharam honestamente, corretamente, e que não tiveram nenhuma
participação nesse número de mortes, eu estou desvalorizando quem nos
protege”, ilustrou.
Debate
No quinto e último dia de julgamento, defesa e acusação falaram por quase dez horas e os trabalhos se estenderam das 10h25 de sexta-feira (2) até 4h20 do sábado. A fase de debates é a única em que os promotores do caso, Fernando Pereira da Silva e Eduardo Olavo Canto, e a advogada de defesa, Ieda Ribeiro Souza, podem apresentar seus argumentos livremente aos jurados.
Durante sua fala inicial, a promotoria apresentou informações dos laudos necropsiais de 52 mortos. O
próprio MP pediu para que os jurados desconsiderassem 21 mortes que
teriam acontecido no corredor direito do pavimento – a Rota atuou apenas
no corredor esquerdo. Cerca de 90% das
vítimas receberam tiros na cabeça e no pescoço – o que aponta para a
possibilidade de execuções em massa. Destes, mais da metade levou entre
dois e quatro tiros.
Já Ieda, para se contrapor às estatísticas apresentadas pelo MP para defender a tese de execução de detentos, apelou a músicas e escuridão no tribunal do júri.
A advogada disse que os policiais agiram corretamente e que os laudos
apresentados pelo MP para basear a acusação dos réus são inconclusivos.
Ela também argumentou não ser possível
individualizar as eventuais condutas criminosas. Para ela, o
ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB) é o grande responsável
pelo episódio. “Quem deveria estar aqui é o doutor Fleury. Ele não foi
responsabilizado porque tinha 'costas quentes' e ninguém ia colocar
aquela situação num momento de véspera de eleições.”
Durante sua réplica, o promotor Eduardo
Olavo Canto Neto pediu para que os jurados “escutassem as vozes que vêm
das ruas”, “agissem como agentes de mudança social” e condenassem os 25
policiais militares julgados pela ação no terceiro pavimento do
Pavilhão 9.
O promotor afirmou que o julgamento é
“ideológico” e que a questão é se se é favorável à ideia de que “bandido
bom é bandido morto”. Canto Neto apresentou a relação de ocorrências
registradas como Resistência Seguida de Morte (RSM) na ficha dos réus.
Juntos, até o ano 2000, eles tinham quase 300 RSMs. Sozinho, o soldado
Carlos Alberto dos Santos se envolveu em 33 RSMs, sem nunca ser
condenado.
Canto Neto insistiu que existe má conduta
em todas as instituições e que elas ainda assim continuam “grandiosas”.
Por isso essa “mancha precisa ser retirada” e afirmou que os réus “não
são heróis”. O promotor explicou aos jurados que os policiais não seriam
julgados por condutas individuais, mas por terem concorrido para a
“obra comum”.
Na tréplica, a advogada Ieda Ribeiro de
Souza reforçou a tese da defesa de que havia armas dentro da Casa de
Detenção. Durante toda sua fala, ela tentou desqualificar a denúncia
feita pelo Ministério Público, que não individualizou a ação de cada um
dos acusados. Para ela, o julgamento dos policiais da Rota é político.
“Trágico, imbecil. Estúpido quem pensa que esse julgamento não é
político”, disse.
Durante a fala da defesa, Ieda e os
promotores tiveram várias discussões. Em uma das interrupções, o
promotor Silva questionou: “Por que a senhora não fala logo o que a
senhora quer dizer? Que eles mataram pouco, que o certo é matar?”.
Apesar de não ter verbalizado essa tese, a advogada pediu a
“empatia” dos jurados, que deviam se imaginar no lugar dos policiais em
uma situação idêntica, e pediu que os absolvessem para fazer
“justiça”.
Para Ieda, o julgamento só não foi
arquivado porque os pedidos da Organização das Nações Unidas
interferiram na soberania do Brasil ao dizerem o que o país deveria
fazer em relação ao caso. O órgão pediu rigor no julgamento do episódio,
que sempre caracterizou como “massacre”.
Para justificar o envolvimento dos
policiais em tantas ocorrências de Resistência Seguida de Morte, a
advogada usou o argumento de que “gente de bem não foge” e, apesar de
fazer diversas críticas à imprensa, a advogada reforçou conceitos
arraigados em parte da sociedade. Mostrou várias reportagens sobre
crimes de grande repercussão, como o assassinato de um policial e de um
menino morto com um tiro porque chorava durante um assalto. “Quem faz
isso com uma criança de cinco anos, o que faria com um policial?”
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