Carlos Guedes: Assentamentos podem ser sustentáveis
Maura Campanili / IPAM
Foto: David Alves / MDA
A conciliação de produção de alimentos com a conservação
florestal é hoje uma preocupação do Instituto Nacional de Reforma
Agrária (Incra), que tem investido em modelos de assentamentos de
desenvolvimento sustentáveis e agroextrativistas. Segundo o novo
presidente do órgão, o economista Carlos Guedes, empossado no último dia
24 de julho, a estratégia é disponibilizar para essas famílias
assistência técnica diferenciada para geração de renda com preservação
do meio ambiente. “Para isso, parcerias como a que está em andamento com
o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) são fundamentais”,
disse Guedes, que foi secretário extraordinário de Regularização
Fundiária na Amazônia Legal e coordenador geral do Núcleo de Estudos
Agrários e Desenvolvimento Rural, além de secretário executivo adjunto
do Ministério do Desenvolvimento Agrário.A parceria com o IPAM envolve 15 Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) de várzea da região do Baixo Amazonas e o primeiro projeto de Assentamentos Sustentáveis da Amazônia, recém-aprovado pelo Fundo Amazônia. Com financiamento da ordem de R$ 25 milhões para os próximos cinco anos, os assentamentos beneficiados estão no Pará, próximos aos municípios de Altamira, Itaituba e Santarém, distribuídos no território da Transamazônica e Xingu, Território do Baixo-Amazonas e Território da rodovia BR-163 (que liga Cuiabá, no Mato Grosso, a Santarém, no Pará). Inicialmente, o projeto, que é piloto e tem o objetivo de ser replicado em toda a Amazônia, será realizado em 21 assentamentos de reforma agrária, contemplando cerca de 2.700 famílias numa área de mais de 500.000 hectares.
Clima e Floresta - É possível garantir a produção de alimentos em assentamentos de reforma agrária sem desmatar a Amazônia?
Carlos Guedes – Claro que é possível. Temos hoje marco regulatório bastante abrangente, que é o macrozoneamento econômico ecológico, que divide a Amazônia em sete regiões e orienta o ordenamento territorial para cada uma. Mas o que é importante destacar é que há muito tempo, desde a década de 1990, o Incra não faz mais política de colonização. O que ocorre são mobilidades regionais de famílias que migram de outras regiões do país e a reforma agrária é a única solução. No Pará, por exemplo, grande parte da população não é nascida lá. Essas pessoas acessam lotes pelo Incra por conta de ausência de oportunidade; reforma agrária é a alternativa. Onde estariam essas pessoas se o Incra não as tivesse assentado? Diferentemente das décadas de 1970 e 1980, o Incra não incentivou as migrações, apenas resolveu a situação.
C&F - O que o Incra tem feito neste sentido?
Guedes – O grande desafio hoje é operar de forma clara em dois pilares. O primeiro é a governança fundiária e o reconhecimento de direitos: saber quem tem direito a um pedaço de terra, como acontece com os povos tradicionais e indígenas, quilombolas, e responder ao recente crescimento do direito de quem tem acesso pelo Estado. O segundo é trabalhar os modelos de assentamento. Como já disse, há tempo o Incra não cria assentamentos no formato tradicional – aquele chamado de “quadrado burro” e orientando famílias a desmatar. A partir de 2003 e 2004, tivemos que dar respostas concretas ao desmatamento e começamos a investir nos Projetos de Assentamentos Extrativistas (PAE) e nos Projetos de Assentamentos de Desenvolvimento Sustentável (PDS).
C&F – Como funcionam esses tipos de assentamentos?
Guedes - São equivalentes, no caso de unidades de conservação, às reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável. A diferença entre os dois tipos de projetos é que, no PAE, o público é originalmente da área e, no PDS, as famílias vieram de fora. Em ambos os casos, precisam respeitar a Reserva Legal, que é comum e corresponde a 80% da área destinada, e realizar atividades em consonância com conservação ambiental.
C&F – Quantos assentamentos destas modalidades foram implantados e como o Incra tem incentivado as atividades sustentáveis nesses locais?
Guedes – Atualmente, temos 479 projetos nestas modalidades, que correspondem a 14.005.467,38 hectares e beneficiam 111.176 famílias. Temos uma grande oportunidade associada ao Plano Brasil Sem Miséria, que nesses assentamentos entra através do Bolsa Verde – direção de renda com conservação ambiental, que ainda não é um programa de pagamento por serviços ambientais (PSA), mas é ponto de partida. Já acontece nesses assentamentos e é uma novidade no mundo. As famílias que se enquadram no cadastro do governo do Bolsa Família recebem um adicional com o compromisso de conservar as áreas que ocupam. Recebem, no cartão do Bolsa Família, até R$ 2.400,00 em parcelas trimestrais. Desde o ano passado, mais de 17 mil famílias estão sendo beneficiadas, sendo 10 mil delas no Marajó. A estratégia agora é disponibilizar para essas famílias assistência técnica diferenciada para geração de renda com preservação do meio ambiente. Nisso, a parceria com IPAM é fundamental.
C&F – Como tem sido o trabalho do Incra com parcerias?
Guedes - Trabalhamos em conjunto com Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) uma estratégia para viabilizar políticas públicas, estrutura e geração de renda com convivência com floresta. O objetivo do governo federal é trabalhar também com estados, municípios e organizações da sociedade civil. Estamos desenvolvendo projetos de restauração de áreas que já estavam desmatadas antes dos assentamentos. Parcerias como a que temos com o IPAM nos dão referência. Utilizamos a lista de municípios da Operação Arco Verde para priorizar estes municípios e reverter realidade usando os assentamentos como exemplo. A ideia é recuperar as Reservas Legais e estimular a geração de renda, de maneira que a própria RL possa ser usada, mas já com esse intuito de restauração.
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