Brasil: um país com racismo, mas sem racistas, por Zuenir Ventura
Zuenir Ventura, O Globo, 26/1/2013
Episódios como o das babás discriminadas em clubes sociais e o da
criança negra que foi destratada e quase expulsa de uma concessionária
da BMW no Rio demonstram que o racismo, apesar de resolvido legalmente,
já que é crime, ainda constitui um problema no dia a dia das relações
interpessoais, onde às vezes se manifesta explicitamente.
O sociólogo Florestan Fernandes dizia que o brasileiro tem preconceito
de ter preconceito. Em outras palavras, o Brasil seria um país com
racismo, mas sem racistas, como revela uma pesquisa em que 87% das
pessoas entrevistadas afirmaram haver racismo, mas só 4% se confessaram
racistas.
Muitos alegam que se trata de “racismo cordial”, bem diferente do que
existe nos EUA, por exemplo. Seria mesmo cordial ou, ao contrário, é
velado, camuflado, que quando flagrado se disfarça, alegando engano ou
má interpretação?
Na tal loja da Barra, o gerente de vendas viu o menino de 7 anos
assistindo a televisão enquanto os pais adotivos, brancos, escolhiam um
carro. Sem saber que pertenciam à mesma família, não teve dúvida. Na
certa era um moleque de rua que ia pedir dinheiro, incomodar os
clientes.
“Aqui não é o lugar para você, saia”, ordenou. Na nota em que tenta se
justificar, a empresa diz que não foi bem assim, que houve por parte do
casal “um mal-entendido”.
Porém, a mãe Priscilla garante que não, que foi um bem entendido gesto
de racismo: “Se fosse uma criança branca, ele mandaria sair da loja?”
No facebook, para onde o casal levou seu protesto e lançou a campanha
“Preconceito racial não é mal-entendido”, a reação foi imediata. Cerca
de 16 mil internautas se manifestaram com mensagens de apoio.
Tomara que a proporção seja essa: que para uma loja que pratica o racismo haja milhares de pessoas contra.
Porém, pior ainda do que essas atitudes explícitas, que pelo menos
despertam repulsa, é a situação social, econômica e cultural da
população não branca no país. Tratadas com naturalidade, as
desigualdades raciais no campo da saúde, da educação e do mercado de
trabalho são tão iníquas que em alguns casos parecem saídas da novela
“Lado a lado”, um retrato fiel e competente da luta contra a
intolerância racial e religiosa após a abolição da escravatura e no
começo da República.
Apenas um exemplo: o risco de morte por doenças infecciosas é hoje 43%
maior entre as crianças negras com menos de um ano de idade do que entre
as brancas. Isso equivale a expulsar da cidadania, senão da vida, toda
uma geração de negros.
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